Depois da eleição que colocou Donald Trump na cadeira mais importante da política ocidental, discussões sobre notícias falsas ou “fake news” passaram a ocorrer com maior frequência. A influência destas notícias no resultado eleitoral estadunidense foi tão grande que, em 2016, o departamento da universidade de Oxford responsável por elaborar dicionários, elegeu o termo “pós verdade” como palavra do ano.
O tema chegou a ser abordado na reforma política brasileira, e um dos destaques, que tratava do controle do conteúdo publicado por perfis falsos, acabou sendo vetado pelo presidente diante da pressão popular, motivada por parte da imprensa e de instituições, que qualificaram a medida de combate como ato de censura ao conteúdo.
O veto presidencial não encerrou a questão, mas a partir dele e sem o calor do debate acerca da censura, diversos especialistas posicionaram-se a favor de algum tipo de controle, e o combate às “fake news” ganhou força no Brasil.
Acompanho com atenção boa parte do que é produzido sobre essa pauta, inclusive discussões realizadas em eventos, e percebo que questões fundamentais precisam ser levadas em consideração para a compreensão do problema.
Primeiro, é preciso entender a real dimensão sobre a importância das notícias e como a sociedade pode ser impactada por elas. A socióloga, Gaye Thuchman, escritora do livro Making News, dedica-se a detalhar as notícias como construtoras de realidade e de conhecimento. Nele, a autora analisa que parte do que conhecemos sobre nós e nossa história é fruto da produção jornalística. Em resumo e de forma muito simplista, tecemos nossa percepção de mundo pelos olhos de terceiros, que não necessariamente relataram exatamente o que viram ou pensaram.
Esse é o perigo real das “fake news”, construir um futuro baseado em artigos fictícios, que misturam acontecimentos ou fatos reais e componentes criados por alguém, com o objetivo de confundir e estimular pessoas a replicarem o conteúdo, para finalidade diversa.
O foco dos debates tem sido mais relacionado à política, mas as “fake news” também podem servir ao corporativo. Por exemplo, um produtor internacional de carne bovina pode contratar profissionais para disseminar um boato de que outro país esteja com sua produção comprometida. Vídeos de animais abatidos de forma irregular ou imagens de laudos adulterados, poderiam ser facilmente vinculados a produtores renomados.
E por que esse boato poderia “pegar”? Dois pesquisadores, Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge, chegaram a conclusão que notícias negativas tendem a ser mais facilmente aceitas, disseminadas e frequentes do que notícias positivas. O fato de serem mais esperadas pela população, facilita que ocorra consenso comum. Ou seja, as pessoas acreditam com mais facilidade em notícias negativas do que em notícias positivas.
Esse aspecto da cultura de consumo de conteúdo abre espaço para que as “fake news” sejam utilizadas como propaganda de qualquer coisa, desde uma ideologia complexa a uma ideia que um rato poderia ser envazado em uma garrafa de refrigerante.
A dificuldade em localizar a origem de um conteúdo, bem como, de seu autor, e outros fatores como o baixo custo de produção e disseminação, quando comparados aos meios tradicionais, fez da internet o principal celeiro dos fakes.
A guerra contra as notícias falsas está só começando, e para que ela seja vencida, precisamos entender melhor contra o que lutamos e aceitar que notícias falsas constroem um futuro muito real.
*Marcelo Vitorino, professor de marketing político pela Presença Online e ESPM